segunda-feira, 19 de julho de 2010

Scuba

eu estava dentro do aquário, me passando por aqueles bonequinhos de mergulhador. alguns suspeitaram que era eu e tentaram me capturar, mas lançei mão do estratagema de me fingir de morto (na verdade, a vida toda tenho me fingido de morto) e consegui escapar. os peixes me olham curiosos.
a vida se resume a ficar aqui, numa posição estranha, esperando sabe-se lá o quê. talvez um Godot aquático. eu observo o curioso mecanismo que realiza o indispensável processo de oxigenação da água, e penso: "Se eu estivesse no deserto, não precisaria de maquininhas pra oxigenação e muito menos de peixes me observando. precisaria apenas de mim mesmo". meus donos, que eu não sei quem são, parecem-se muito com escritores fracassados: um casal triste, que assiste televisão apenas na tentativa de se banalizar e morrer em paz, cagando pras angústias heideggerianas sobre a morte e sei lá o quê mais. foda-se heidegger.
eles vêm de vez em quando alimentar os peixinhos com ração. às vezes esquecem e um peixinho morre. eu não rezo pelo peixinho, acho que eles não tem céu. outro dia, um peixinho ficou doente, mudou de cor e caiu duro no fundo do aquário.
Eu sou um mergulhador de brinquedo que passa os dias tentando ser eu mesmo, ou muitas outras coisas banais; e minha experiência de vida me diz apenas uma coisa: "Nada, mergulhador, nada", mas aí já foram três coisas, além de uma ambiguidade insuportável.

3 comentários:

  1. Sabe, 'aqueles bonequinhos de mergulhador' são escafandros de brinquedo... Mas aí já é outra história.

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  2. Nada... Nada...Nade...Nade!Peixes não tem céu, mas têm mar. E este mergulhador, estático, não entrará para as estatísticas e nunca será. Nunca.

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