domingo, 25 de abril de 2010
"Pára, instante que passa, és tão formoso!"
Estarei dentro dos trens, dentro dos próximos telégrafos.
Ao passar, meu rastro será algo como a sombra de um pássaro de isopor,
Que não se deixa arruinar.
Minhas casas de câmbio consistem em tecelarias, fábricas de pipas,
Sorveterias falidas, banquinhas de jogo do bicho.
Conjugando os verbos de cabeça pra baixo,
Reinaugurando o teatro do Universo,
Eu acho que me encontro.
Eu estou feliz pra cassete, cara.
Bilhar...ou Brilhar?
Em mais uma daquelas tardes quentes de faculdade, em que professores faltam no infinito, em que estudantes conversam sobre Karl Marx e degustam de um belo charuto cubano, eu me pego pensando na vida e jogando bilhar... Rapidamente imaginei a Geografia explicando todas aquelas jogadas que fazíamos, e nós brincaríamos de ser Deus por alguns segundos e com uma tacada explodiríamos aquelas 14 bolas ao longo daquela mesa esverdeada, que tinha mais cara de universo (big-bang).
Depois disso, todas as esferas se transformariam em contrastantes planetas numerados de cores diferentes ou se aqueles objetos caíssem em um buraco branco (caçapa), se transformaria em um buraco negro. O giz seria a poeira cósmica que fica vagando na mesa de bilhar, as fichas poderiam ser o hidrogênio e o hélio que funcionam como combustível do Sol e o velhinho (Seu Antônio) que nos vende as fichas todos os dias na vivência, seria o cara que sustenta nosso vício, poderia ser Deus...
.
.
.
Comentário: Texto rápido com uma boa doze de tequila e como tira gosto, a Geografia.
sábado, 24 de abril de 2010
"Escuridão, muito mais escuridão"
O suor foge. Eu agarro o desodorante com as duas mãos, e te dou de presente embrulhado naquele papel crepon, como fazíamos quando não tínhamos emprego (a chamada lisura). Depois de fumar sonhei comigo: Tiririca já dizia “Qual é? Qual foi? Porque que tu tá nessa?”. É por isso que eu sou um comediante. Porque assim todos se fingem engraçados e simpáticos, saltitando em uma enorme falsidade. Sono, impaciência, fome... Texto de dois parágrafos, com todas as regras da gramática e como os professores de redação gostam. Porque assim induzo você, caro leitor, a tirar uma soneca antes de terminar de ler nossos textos preguiçosos, por que assim todos ‘param na posição’ (refrão da música Cabecinha do Bonde do Tigrão) em suas covas. Acho que esse blog não passa de um veículo dirigido por loucos comediantes falando de sua vida de uma forma real e ao mesmo tempo engraçada. Acho que atribuir significado a algo é tentar atribuir significado ao sistema como um todo.( oh, nice little girl, this is almost impossible). Tentaremos no próximo verão, terminar com dois pontos:
"luz, mais luz"
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Realístico*
---Não está jornalístico, mas whatever. Se bem que... Se for AquiMA ou Atos e Fatos, pode estar jornalístico sim
¹ : Pra quem não entendeu: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=461665
.
.
.
*Autora: Mônica Beckman (codinome: Beck)
Como ficou melhor e mais real que o "Jornalístico", este merece ser publicado. A autora explora os níveis de insanidade aos quais estará relegada a cidade de São Luís se ninguém fizer nada com o autor desse blog.
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Jornalístico
Grato*
Fico muito grato ao autor Luciano Leite lembrar minha pessoa e fazendo comentários espetaculares ao longo desse meio de divertimento, informação e risadas. Nas ultimas semanas há tantos boatos quanto mentiras, sendo que a globalização e a mídia contribuem para tal do sucesso de nossas criações de cunho psico-humorístico. Mas vamos lembrar das pessoas que estão por trás dos nossos textos, não no sentido sexual como alguns anti-sociais (nova nomenclatura para psicopatas) pensavam, mas daquelas humildes pessoas que fazem muito mais do que relatos do seu dia-a-dia sofrido. Essas pessoas contribuem com o nosso trabalho com suas históricas irônicas, seus ‘micos’ da vida real, suas teimosias de infância, até seus jogos de xadrez no canto da rua...
Queremos lembrar o Sr. Zequinha da pizzaria (que nos abasteceu nessa caminhada), Seu Bodé (que não está mais entre nós... viajou para a Espanha) que era ex-fumante, Seu Manin da bilharina (que nos vendia fichas na madrugada), Dona Maria (que sempre nos abençoava quando passávamos na frente do seu buteco), Dona Janete(que sempre ajudou mamãe a nos criar) e outros. Pedimos desculpas ao velhos anciões que não foram lembrados, pois muitos contribuíram para o meu sucesso e do grande autor Luciano.
Com gratidão...
Victor Hugo.
*Agradecimento do mano Victor Hugo.
domingo, 18 de abril de 2010
Esclarecimento
Amarelinha 2*
E por lá por puro acaso do destino me transformei num grande filha da puta motora da linha Campus-UFMA, vagabundo que não faz nada, fumante, professor de cursinho, vendedor de idéias revolucionarias e de pitomba, torcedor do Moto e pseudo-conhecido por muita gente.
Infelizmente não aproveitei todo esse prestigio e acabei esbarrando em meus ideais utópicos socialistas, e não recebendo nada por todos esses feitos. ‘ Eu voltei, agora pra ficar, porque aqui, aqui é meu lugar’ já dizia o Rei Pelé. Hoje, eu participo de um grupo de cachaceiros, e como designa o titulo da minha breve história, eu vivo sempre com a Amarelinha, na mesa do bar, com centenas de casos de amor. Até criei um blog, mas como eu sou sei que sei escrever, não faço sucesso nem no meu bairro, nem na minha província, muito menos no meu país, nem no planeta, talvez fora do Sistema Solar ou no Sistema Solar do Universo, se existisse vida fora da Terra...
“I don't give a shit”, by Tomás Turbando*
Josefina, quando eu penso em mim, eu penso em mim.
Pra que eu vou ficar me preocupando contigo à toa?
Josefina, quando eu penso em conceitos universais, como limpar a casa, cuidar das crianças, lavar a roupa, fazer a comida, eu quero, na verdade, que tu faça.
Josefina, quando penso em dormir, penso no melhor, penso em Ortobom. É ele minha musa inspiradora, é ele que me faz gritar no teu ouvido: “Minha nega, minha preta, vem pra cá”.
Josefina, quando eu estou sozinho lá no nosso cafofo, de madrugada, sinto tua falta, o nosso amor é ouro, parece música do Skank, mas como propaganda é mais caro em nossas publicações semanais, o show é dia 14 de novembro na Laguna da Jansen, o ingresso está R$40.00.
Josefina, em ti o meu cerrado vira deserto... é preciso conter o avanço da soja e da criação de gado.
Josefina, eu estudei demais, e aprendi que isso é uma conseqüência da ação humana.
Josefina, eu esqueci tudo antes da prova, será que eu vou passar por essas provas que permitem ao aluno reprovado estudar três anos em um só?
Josefina, minha voz ta seca, pega água!! e meu olhar vazio, o colírio ta no quarto!! Mas seca é a voz de quem te xinga todos os dias por não completar os afazeres domésticos. Josefina, a peteca dos olhos sempre me faz lembrar aquele dezembro de mil novecentos e carne de porco. Numa data em que eu nem sabia que tu existia, se eu fosse pra ... nem iria saber que eu tinha ido, nem me encontraria nesses Caminhos da Vida, escrita por Manoel Carlos (Maneco).
Negona.
Eu escrevo paródias de putarias, mas é como dizia Lula: "Ninguém aqui é freira ou santo, não estamos em um convento, e não me consta na história que em um convento também não tenha briga."
*Mais um texto da série: “Parcerias com mano Victor”. Autor: Victor Hugo Leite dos Santos. Livre adaptação do poema “Balada do amor abstrato”, de Luciano Leite.
Vícios e virtudes*
Levantou-se, limpou displicentemente os papéis cheios de fuligem, coçou o saco e o olhava com carinho depois de dirigir-se ao quarto. Tirou logo a roupa, deitou-se ao lado do cachorro e sonhou como os loucos sonham: com os olhos fechados, com a mente aberta. Parece coisa da Xuxa, mas merchandising é algo caro no mundo globalizado, não vamos entrar em detalhes, relembrando que a Xuxa está lançando o DVD Só Para Baixinhos 7, as crianças que quiserem participar é só entrar no site www.globo.com/tvxuxa e preencher o cadastro.
Era um homem de ombros significativamente largos, parecia o Victor Belfort, autor de “Os miseráveis”, que escrevia à beira de um ring alto, dispensando pancadas... na mesa tremula por estar muito usada. Era alto, barbudo e sério, e estes atributos o caracterizavam, à época, como melhor malhador de LEG-45 excelência: altura (não existem anões malhadores – Dunga, Dengoso, Soneca, Atchim, Feliz, Zangado e Mestre eram filhos da Branca de Neve); barba (símbolo da não difusão do gillette prestobarba); e seriedade (se não fosse uma pessoa séria, seria o Zé Cachaça do Flamengo! (Os são paulinos eram bambis? Eu sou bambi?).
.
.
.
*Da série: Parcerias com mano Victor.
Jarbas: as histórias de um herói *
Como eu odeio pessoas que dizem Eu disse... mas eu gostava de você Jarbas e agora você morreu e me deixou sua herança (um par de meias cujo pé direito você usava pra cuar café e o esquerdo como toalha de banho, duas moedas de cinqüenta centavos, um pôster do Sampaio Corrêa campeão brasileiro da série C em 1997, e, incrivelmente, uma caixa enorme com todas as edições da Playboy de agosto de 1989 pra trás; não sabíamos dessa curiosa coleção que nosso amigo mantinha guardada em casa).
Eu me lembro, seu safado, de 40 reais que eu te emprestei numa noite na porta do cabaré Rosana Drink’s e você nunca me devolveu, mas agora eu te perdôo porque você era muito gente boa. Lembro também que nessa mesma noite você arranjou briga com uns bêbados na volta pra casa, quando ainda esperávamos o ônibus na integração da Cohab(as voltas pra casa eram a melhor parte da noite...) e a briga foi tão boa que eles viraram nossos amigos e todas as quintas feiras tínhamos que nos reunir para beber e brigar não necessariamente nessa ordem mas necessariamente às quintas e eles tinham nomes infernais e fantásticos como Tunga, Woompa-Loompa, Diógenes, Pé-de-Lesma, Boleto Bancário e muitos outros e éramos grandes amigos eu você e eles cara eu nunca pensei que iria chorar por um homem hoje eu choro por você meu amigo você que foi embora.
Caramba as tragédias anunciam-se com muita pouca antecedência. Sinto falto do Pé de Lesma, que dizia sempre ‘Eu não estou nem ai pra minha irmã. Sabe onde ela está?Bem ali na Universal’. Seu tom sarcástico enganava a sua real situação de cachaceiro.
Jarbas eu sinto sua falta, aquelas velhas peladas e aquelas peladas velhas na litorânea, em que íamos naquele Gurgel 1870 que mal se segurava em pé. Mas amigo eu queria que você estivesse aqui, por que eu queria fazer com você uma nova historia e não um filho, que é como você queria. Jarbas eu não sou homossexual e só vou virar se tiver cotas na universidade publica. Eu nem sei pra que eu estou escrevendo isso, velho lobo, acho que é pra eu mandar pra mim mesmo como fazia Fernando Pessoa. Mas como eu não sou poeta vou tentar mandar pelo correio eletrônico de Deus.
.
.
.
* Da série: Parcerias com mano Victor.
Autor: Victor Hugo Leite dos Santos
(Adaptação livre e tragicômica - com traços de maconha - do mini-conto burlesco "Jarbas", de Luciano Leite. O autor do texto original saúda a coragem, o bom humor e a parceria de Victor Hugo, que é um cara muito fera. "Valeu, mano!", diz Luciano.)
sábado, 17 de abril de 2010
Amarelinha
E lá, por obra do acaso, fui rei, gari, cobrador de impostos, piadista, amante, cobrador de ônibus da linha Uema-Ipase, dançarino de rua, mendigo, professor universitário, ascensorista, vendedor do cuscuz Ideal, filósofo, louco, "ladrão, pulha, falsário", proprietário de banquinha do jogo do bicho, deputado federal, radialista, mega-empresário das comunicações, cartomante, jogador de futebol, funcionário público, artista circense, dono de cursinho preparatório para concurso e pseudo-celebridade badalada pela mídia nacional.
Só não recebi salário por nada disso. Resolvi voltar, cansado de exploração e descaso de meus patrões, da falta de familiaridade com a sociedade local, da dificuldade com o dialeto e o clima, e acima de tudo, pelo fato de os nativos viverem bêbados.
Hoje eu participo de um grupo separatista que tenta desvincular minha rua do bairro, meu bairro da cidade, minha cidade da província, minha província do país, meu país do planeta, meu planeta do Sistema Solar e meu Sistema Solar do Universo. Mas como não consigo, criei um blog pra mim, onde falo sobre isso.
Joguem para o alto o auto-falante
O que eu amo:
Quando a delicadeza do poema
subverte a voz do poeta,
que é inapelavelmente fugaz e suja.
Quem quisesse ouví-lo, estaria perdido, quem estivesse perto dele
Transformar-se-ia numa Palavra, em pura linguagem, ou em sorvete.
O poeta é o mágico que engole espadas, doma leões e morre fazendo palhaçadas,
Quando ninguém lê, ouve ou assiste ao espetáculo.
Quisera eu poder ensinar a todos como não falir,
Como não reprovar, como não ser um péssimo pai,
Como não ser assaltado em semáforos, como fazer goiabada;
Mas tudo que aprendi na vida foi a não estar aqui o tempo todo.
Auto-ironia
sexta-feira, 16 de abril de 2010
Auto-de-fé
Na verdade a única coisa que o autor quis fazer (por achar pertinente e válido) foi criar um alter ego que não fosse escritor, que vivesse uma vida comum, sem preocupações, sem filosofias, sem blog, lendo uma média de 1,8 livros por ano (ou lendo apenas os créditos da telenovela). Esse alter ego você pode encontrar em qualquer esquina de São Luís. O autor agora virou definitivamente esse alter ego, pois queria fugir. E fugir consitirá também em deixar de ser o que se é.
(Esse post é uma homenagem a todos que fogem.)
terça-feira, 13 de abril de 2010
Jarbas (ou "Da Amizade")
Como eu odeio pessoas que dizem Eu disse... mas eu gostava de você Jarbas e agora você morreu e me deixou sua herança: um par de meias cujo pé direito você usava pra cuar café e o esquerdo como toalha de banho, duas moedas de cinqüenta centavos, um pôster do Sampaio Corrêa campeão brasileiro da série C em 1997, e, incrivelmente, uma caixa enorme com todas as edições da Playboy de agosto de 1989 pra trás; não sabíamos dessa curiosa coleção que nosso amigo mantinha guardada em casa.
Eu me lembro, seu safado, de 40 reais que eu te emprestei uma noite na porta do Cine Passeio e você nunca me devolveu mas agora eu te perdôo porque você era muito gente boa e eu me lembro também que nessa mesma noite você arranjou briga com uns bêbados na volta pra casa (as voltas pra casa eram a melhor parte da noite...) e a briga foi tão boa que eles viraram nossos amigos e todas as quintas feiras tínhamos que nos reunir para beber e brigar não necessariamente nessa ordem mas necessariamente às quintas e eles tinham codinomes infernais e fantásticos como Tunga, Woompa-Loompa, Diógenes, Esfignomamômetro (reapelidado carinhosamente de ‘Esfig’), Boleto Bancário e muitos outros e éramos grandes amigos eu você e eles cara eu nunca pensei que iria chorar por um homem hoje eu choro por você meu amigo você que foi embora.
Sentirei sua falta. Sentirei falta do seu jeito único
-de contar piadas imorais (que moral tínhamos para dizer que algo é imoral?) porque eu mesmo adorava aquela na qual o urso pergunta: “Fala a verdade: você não vem aqui pra caçar, vem?”.
-de rir das próprias piadas com uma risada mais ou menos parecida com a de um crocodilo tuberculoso
-de xingar os policiais fardados e sair correndo e você invariavelmente escapava, eu é que não era veloz o suficiente e acabei passando a noite na cadeia umas duas vezes...
-de conquistar as mulheres (eu, tímido, admirava isso em ti...)
-de palitar os dentes após comer uma pratada de mocotó com farinha de puba
-de fumar e beber enquanto amarrava o cadarço e abotoava a camisa e penteava o cabelo com a mão da esquerda pra direita e coçava o saco e fazia a barba tudo ao mesmo tempo incrivelmente caramba parece que você tinha 6 braços!
Bem, você morreu e eu aprendi que as tragédias se anunciam com muito pouca antecedência. Pelo que soube o cara nem prestou socorro. Woompa-Loompa e Cabeça-de-Caixa-Dágua anotaram a placa e se encarregarão dele, pode ficar tranqüilo. Se nós soubéssemos, não tínhamos deixado você ir embora do bar aquela hora. Você, grande amigo Jarbas, era um grande sacana, um ordinário, e é por isso que todos sentiremos sua falta e todos nós morreremos um pouco por dentro sem você.
Balada do amor abstrato
Margarida, quando penso em mim, eu penso em ti.
Margarida, quando eu penso em conceitos universais, como tempo, espaço, metafísica pós-kantiana, propriedades físico-químicas da água, eu penso, na verdade, em ti.
Margarida, quando penso em dormir, é pra estar contigo em sonhos nos quais, geralmente, eu sussurro ao teu ouvido: “Minha rainha, minha deusa, minha paz”.
Margarida, quando estou sozinho no quarto, à noite (em noites que duram semanas), a tua falta é tão real que eu penso em me matar.
Margarida, em ti o meu deserto deixa de ser deserto.
Margarida, eu li demais.
Margarida, eu esqueci tudo.
Margarida, minha voz está seca e meu olhar vazio, mas seca é a voz de quem ama e vazio é o olhar dos desventurados.
Margarida, a lua que há em teus olhos sempre me faz lembrar de certa vez em que quase me afoguei numa piscina, num domingo de há muito tempo, num domingo de há muito tempo, num domingo no qual eu ainda não te conhecia, e se eu morresse, nem saberias que eu tinha morrido, e não chorarias por mim, como eu choro por ti todas as noites, não pela tua morte: pela tua vida.
Margarida, eu escrevo poemas paradoxais, mas haverá algo mais paradoxal do que existir, ser poeta, ser louco, ser homem, te amar, Margarida? Tudo isso ao mesmo tempo?
Margarida, eu invoco teu poderoso nome perante as tempestades e perante a loucura, e assim me sinto a salvo.
Margarida.
"Não percamos tempo com palavras vazias"
(Como já devem ter percebido, o autor, em suas divagações, perdeu o rumo da estória. Não sabe mais o que dizer, pois o enredo inicial, com "o homem que atravessava a avenida", perdeu-se entre a barafunda de dúvidas filosóficas do primeiro parágrafo. O autor decide desistir do texto. Fuma mais um cigarro - ora, bolas, todo escritor fuma! - e parte para uma nova produção, na qual estabelecerá um paralelo entre as relações humanas contemporâneas e a luta de classes, ou no máximo, sobre as famosas rinhas de galo do bairro do João Paulo.) O homem, aquele mesmo da primeira linha, atravessa a avenida, despreocupademente, e o leitor não pode fazer mais nada, a não ser perceber que o texto acaba sem nem mesmo ter começado. Se é que existe um leitor aí do outro lado. Existe?
segunda-feira, 12 de abril de 2010
O poeta, a essência
O poeta não é a aquele que escreve sonetos sentimentais, dísticos sensíveis ou alguns versos em que declara amor a uma certa Marília de Dirceu. O poeta é um homem cujos anzóis foram roubados, e só. Agora ele tem que pescar com as mãos, num oceano do tamanho do Universo.
Boa sorte para o Poeta.
Reflexões sobre a cidade
Não havia charme algum, nenhum encanto, nenhum passado. Lembro-me das nuvens que se formavam a leste, indicativo claro de chuva. Lembro das praias e do mar cinzento, muito pouco atraente. Lembro-me do fluxo dos carros, das avenidas comuns, dos trabalhadores cansados que voltam do expediente às seis da tarde. Lembro-me das prostitutas feias que tentavam a vida na Jerônimo de Albuquerque, das floriculturas tristes que vendiam flores de plástico, dos bares sórdidos cuja música ambiente era um reggae terrível, das estudantes que iam para a escola em ônibus lotados e eram encoxadas por homens mais velhos, lembro dos assaltantes que causavam terror às quitandas e farmácias dos subúrbios, lembro dos funcionários da Vale esperando o ônibus da empresa nas esquinas da cidade, lembro dos bêbados dormindo nas calçadas sujas. Lembro das madames não-me-toque passeando no São Luís Shopping, ansiosas por comprar a camisa pólo Lacoste para presentear o jovenzinho bem dotado que lhes come no motel Le Baron às quintas-feiras 14:00, “Não vá perder a hora, eu tenho meus compromissos depois, Caio” (o maridão está no trabalho, o que não elimina a possibilidade de que também ele tenha amantes); lembro-me que, enquanto isso, do outro lado da avenida, e não mais do que do outro lado da avenida, uma pai de família que mora nas palafitas do Jaracaty precisa comprar um punhado de arroz que seja! para que as crianças não fiquem com fome durante a noite. Lembro-me dos prédios da área nobre da ilha, ó convite para o suicídio e para a fama que um suicídio traz: “Lembram daquele jovem que se matou em 2009? Foi desse prédio que ele se atirou...”. Havia também os bairros de classe média, minimamente “arrumadinhos”, por onde corria um ar de domesticidade e boa-vizinhança meticulosamente encenadas. Lembro das bem sucedidas bocas-de-fumo das periferias, dos viadutos improváveis, dos prédios abandonados na Praia Grande, dos restaurantes chiques que cobram 52 reais pelo quilo da comida, dos cheira-cola nos retornos cometendo pequenos furtos, da faraônica Assembléia Legislativa situada no meio do mato, do McDonalds interditado certa vez por causa da cobra que picou uma criança no parquinho, das choperias e lupanares da Forquilha, das bancas de DVDs pirata a dois reais, da infecta feira do João Paulo, o maior mercado a céu aberto do Hemisfério Sul. Em becos sórdidos, aconteciam estupros, usava-se crack, comentava-se o jogo do Flamengo e esperava-se a viatura que recolhia o “por fora”. Uma mulher é atropelada na avenida Castelo Branco às 16:29, enquanto, do outro lado da cidade, nesse exato instante, um jovem compra dois pães massa fina para o lanche da tarde. Lembro também que todos os habitantes de São Luís tinham a aparência cafona e desagradável de funcionários públicos mal remunerados; talvez todos sejam funcionários públicos... Lembro também do mau-cheiro que os túneis exalavam, das quartas-feiras chuvosas em que eu e meu pai ainda íamos ao jogo de futebol e do céu quente das tardes de dezembro, das mortes causadas pelos rachas nas madrugadas da Av. São Luís Rei de França. Nunca mais haverá outra cidade como São Luís, em toda sua obviedade e despropósito. Esta não é uma cidade inocente. Por favor, alguém jogue uma bomba em todos nós. Havia o Rosana Drinks, o Zero Um, o Clímax, o Playboss. Havia também a dificuldade para conseguir uma namorada, os semáforos, a tristeza, os táxis, o medo, as poucas livrarias, o vazio.
Eu sinto esta cidade. Eu sinto muito.
Platão, ou como filosofar em cadeiras desconfortáveis
Platão cansara-se de escrever. Estava com a bunda doída de tanto ficar sentado naquela cadeira desconfortável, típica da Antiguidade. Levemos em conta que conforto é um ideal inventado apenas no início da 2ª Revolução Industrial, e colocado em prática apenas no século XX, por grandes promovedores do bem-estar humano, como a Giroflex. Levemos em conta que Victor Hugo escrevia em pé, à beira de uma escrivaninha alta, dispensando cadeiras e varizes. Levemos em conta a reflexão de Flaubert, citada por Nietzsche em seu Crepúsculo...: “Só se pode pensar e escrever sentado.”
“Ah, porra!!!!”, pensou Platão (parecerá verossímil que a mesma mente que concebeu o mito da caverna – ou que concebeu o próprio personagem Sócrates – tenha vociferado um palavrão como este?). “Termino essa droga amanhã!”. Faltava a conclusão do Livro IX daquilo que mais tarde seria conhecido como o texto da República, mas o cansaço realmente não o deixaria continuar. Levantou-se da cadeira, organizou displicentemente os papéis cheios de diálogos, coçou a testa e a barba, dirigiu-se ao quarto, tirou a roupa, deitou-se ao lado da mulher e dormiu como os filósofos dormem: com os olhos abertos, com lucidez.
Era um homem de ombros significativamente largos, o que justificava o apelido imortalizado. Era alto e barbudo e sério, e estes atributos o caracterizavam, à época, como um pensador por excelência: altura (não existem pensadores baixinhos – Toulouse-Lautrec era pintor); barba (símbolo universal da des-preocupação em relação à aparência física e ao mundo material); e seriedade (se não fosse uma pessoa séria, seria filósofo? Os bobos da corte medievais eram filósofos? Eu sou filósofo?).
Naquela noite, entretanto, aconteceu algo que não costumava acontecer: sonhou. E sonhou com seu personagem predileto: Sócrates. E sonhou que ele não morreria triunfalmente no Fédon, ingerindo cicuta, mas sim seria crucificado (obedecendo a um cruel costume do povo que o condenaria) numa região distante de Atenas e esta passagem constaria em outra obra que não a sua, talvez numa obra escrita em grego e aramaico, composta por muitos livros e escrita por muitas pessoas, talvez escrita por Deus. Platão, no sonho, imaginava-se análogo a Deus, pois podia compartilhar seus personagens com Ele, e até mesmo sentia-se no dever de fazê-lo. No final do sonho (todo sonho é invenção, mas nunca ficção), surgiam imagens do futuro, no qual Sócrates era venerado e adorado com outro nome, em pontos distantes da Terra, e sua mensagem, deturpada até o extremo pela filosofia dos outros e pela repetição, era propagada, imposta e até mesmo refutada. A cruz, e não a coruja, tornar-se-ia seu totem universal.
Acordou no meio da noite, sentindo-se humano e suado. Fazia calor e sonhara. Sonhar com uma coisa é estar indissociavelmente ligado a ela. Sentiu que o livro que planejava escrever em breve, o Fédon, estava maduro o suficiente em sua cabeça para poder ser escrito. Mas manteria a ideia original, a da cicuta. Sentiu que as diferenças circunstanciais impostas pelo sonho eram típicas de quem escrevia demais, de quem lia demais e de quem era grego demais.
Mas antes de começar o Fédon, teria que concluir a República, teria que escrever muitas outras coisas, teria que viver os dias úteis, os fins de semana e os feriados, teria que almoçar, comer, fazer amor com sua mulher (há tempos não o fazia, pois a produção intelectual exauria-lhe as forças e os desejos), e muito provavelmente teria que pensar demais. “Ah, porra!”. Dormiu de novo.
Acordou no outro dia e continuou a escrever a República, como um condenado, e ao terminar, alguns dias depois, chamou a esposa no meio da noite e fizeram amor como nunca haviam feito antes.