terça-feira, 13 de abril de 2010

Jarbas (ou "Da Amizade")

Jarbas, seu sacana, lembra daquele domingo que a gente foi pescar naquela lancha que seu cunhado iria emprestar pra gente e você disse Hoje o mar não está pra peixe e eu insisti e você firmou pé e eu insisti de novo e acabamos indo e passamos 5 dias e 18 noites quase à deriva sem pegar nada, a não ser a feérica insolação da lua, e você dizia o tempo todo Eu disse... (com desdém e cinismo).
Como eu odeio pessoas que dizem Eu disse... mas eu gostava de você Jarbas e agora você morreu e me deixou sua herança: um par de meias cujo pé direito você usava pra cuar café e o esquerdo como toalha de banho, duas moedas de cinqüenta centavos, um pôster do Sampaio Corrêa campeão brasileiro da série C em 1997, e, incrivelmente, uma caixa enorme com todas as edições da Playboy de agosto de 1989 pra trás; não sabíamos dessa curiosa coleção que nosso amigo mantinha guardada em casa.
Eu me lembro, seu safado, de 40 reais que eu te emprestei uma noite na porta do Cine Passeio e você nunca me devolveu mas agora eu te perdôo porque você era muito gente boa e eu me lembro também que nessa mesma noite você arranjou briga com uns bêbados na volta pra casa (as voltas pra casa eram a melhor parte da noite...) e a briga foi tão boa que eles viraram nossos amigos e todas as quintas feiras tínhamos que nos reunir para beber e brigar não necessariamente nessa ordem mas necessariamente às quintas e eles tinham codinomes infernais e fantásticos como Tunga, Woompa-Loompa, Diógenes, Esfignomamômetro (reapelidado carinhosamente de ‘Esfig’), Boleto Bancário e muitos outros e éramos grandes amigos eu você e eles cara eu nunca pensei que iria chorar por um homem hoje eu choro por você meu amigo você que foi embora.
Sentirei sua falta. Sentirei falta do seu jeito único
-de contar piadas imorais (que moral tínhamos para dizer que algo é imoral?) porque eu mesmo adorava aquela na qual o urso pergunta: “Fala a verdade: você não vem aqui pra caçar, vem?”.
-de rir das próprias piadas com uma risada mais ou menos parecida com a de um crocodilo tuberculoso
-de xingar os policiais fardados e sair correndo e você invariavelmente escapava, eu é que não era veloz o suficiente e acabei passando a noite na cadeia umas duas vezes...
-de conquistar as mulheres (eu, tímido, admirava isso em ti...)
-de palitar os dentes após comer uma pratada de mocotó com farinha de puba
-de fumar e beber enquanto amarrava o cadarço e abotoava a camisa e penteava o cabelo com a mão da esquerda pra direita e coçava o saco e fazia a barba tudo ao mesmo tempo incrivelmente caramba parece que você tinha 6 braços!
Bem, você morreu e eu aprendi que as tragédias se anunciam com muito pouca antecedência. Pelo que soube o cara nem prestou socorro. Woompa-Loompa e Cabeça-de-Caixa-Dágua anotaram a placa e se encarregarão dele, pode ficar tranqüilo. Se nós soubéssemos, não tínhamos deixado você ir embora do bar aquela hora. Você, grande amigo Jarbas, era um grande sacana, um ordinário, e é por isso que todos sentiremos sua falta e todos nós morreremos um pouco por dentro sem você.

5 comentários:

  1. Jarbas, nós gostávamos muito de você.

    Mas ainda bem que foi você, e não o Lucci.

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  2. Uma pena que quando inventaram o desejo, o interesse e a paixão, esqueceram os tímidos...
    É, Jarbas. Você foi um bravo homem.

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  3. É, querido Lu, por pouco, eu iria afirmar que vc, no trecho transcrito abaixo, andou plagiando seu tio-avô Cesário Leite, com esta descrição da herança. De fato, lembrei do testamento do Judas, feito anualmente, e lido com toda pompa no sábado de Aleluia, lá na terrinha, em tempos idos. Mas, é isso aí. Tá na veia, quero dizer, é sangue de Leite mesmo. Melhor, de Furtado Leite. Não tem como escapar. Está na letra, na escrita.
    "me deixou sua herança: um par de meias cujo pé direito você usava pra cuar café e o esquerdo como toalha de banho, duas moedas de cinqüenta centavos, um pôster do Sampaio Corrêa campeão brasileiro da série C em 1997, e, incrivelmente, uma caixa enorme com todas as edições da Playboy de agosto de 1989 pra trás; não sabíamos dessa curiosa coleção que nosso amigo mantinha guardada em casa."
    Ah, e se for possível, ainda irei te presentear com a cópia (quase ilegível) de um testamento destes. Tenho que procurar nos baús.....

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  4. Reiterando o que eu disse:
    Jarbas é nome de motorista/mordomo de comercial de Tang de laranja (o sabor antigo, bem industrial, não esse sabor de fruta atual - porque se eu quisesse suco natural, eu compraria laranjas, não é?)

    E palitar dentes em público e conquistar mulheres não podem ser características de um mesmo ser. Falso silogismo.

    No mais, acho vc mais legal que o Jarbas. O Jarbas tem jeito de capetinha, e eu não gosto de capetinhas.

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  5. eu me diverti muuuuito lendo esse, Lucci :D
    até me afeiçoei ao Jarbas, véi XD
    muito bom ^^

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