domingo, 18 de abril de 2010

Jarbas: as histórias de um herói *

Jarbas, seu grande filho da puta, lembra daquele domingo de jogo do Flamengo em que a gente foi pescar naquela lancha laranja que seu cunhado iria emprestar pra gente e você disse Hoje o mar não está pra peixe e eu insisti e você firmou pé e eu insisti de novo e acabamos indo e passamos mil e uma noites quase à deriva sem pegar nada, a não ser a feérica insolação da lua, e você dizia o tempo todo Eu disse... (com desdém e cinismo).
Como eu odeio pessoas que dizem Eu disse... mas eu gostava de você Jarbas e agora você morreu e me deixou sua herança (um par de meias cujo pé direito você usava pra cuar café e o esquerdo como toalha de banho, duas moedas de cinqüenta centavos, um pôster do Sampaio Corrêa campeão brasileiro da série C em 1997, e, incrivelmente, uma caixa enorme com todas as edições da Playboy de agosto de 1989 pra trás; não sabíamos dessa curiosa coleção que nosso amigo mantinha guardada em casa).
Eu me lembro, seu safado, de 40 reais que eu te emprestei numa noite na porta do cabaré Rosana Drink’s e você nunca me devolveu, mas agora eu te perdôo porque você era muito gente boa. Lembro também que nessa mesma noite você arranjou briga com uns bêbados na volta pra casa, quando ainda esperávamos o ônibus na integração da Cohab(as voltas pra casa eram a melhor parte da noite...) e a briga foi tão boa que eles viraram nossos amigos e todas as quintas feiras tínhamos que nos reunir para beber e brigar não necessariamente nessa ordem mas necessariamente às quintas e eles tinham nomes infernais e fantásticos como Tunga, Woompa-Loompa, Diógenes, Pé-de-Lesma, Boleto Bancário e muitos outros e éramos grandes amigos eu você e eles cara eu nunca pensei que iria chorar por um homem hoje eu choro por você meu amigo você que foi embora.
Caramba as tragédias anunciam-se com muita pouca antecedência. Sinto falto do Pé de Lesma, que dizia sempre ‘Eu não estou nem ai pra minha irmã. Sabe onde ela está?Bem ali na Universal’. Seu tom sarcástico enganava a sua real situação de cachaceiro.
Jarbas eu sinto sua falta, aquelas velhas peladas e aquelas peladas velhas na litorânea, em que íamos naquele Gurgel 1870 que mal se segurava em pé. Mas amigo eu queria que você estivesse aqui, por que eu queria fazer com você uma nova historia e não um filho, que é como você queria. Jarbas eu não sou homossexual e só vou virar se tiver cotas na universidade publica. Eu nem sei pra que eu estou escrevendo isso, velho lobo, acho que é pra eu mandar pra mim mesmo como fazia Fernando Pessoa. Mas como eu não sou poeta vou tentar mandar pelo correio eletrônico de Deus.

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* Da série: Parcerias com mano Victor.

Autor: Victor Hugo Leite dos Santos
(Adaptação livre e tragicômica - com traços de maconha - do mini-conto burlesco "Jarbas", de Luciano Leite. O autor do texto original saúda a coragem, o bom humor e a parceria de Victor Hugo, que é um cara muito fera. "Valeu, mano!", diz Luciano.)

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