segunda-feira, 12 de abril de 2010

Reflexões sobre a cidade

Não havia charme algum, nenhum encanto, nenhum passado. Lembro-me das nuvens que se formavam a leste, indicativo claro de chuva. Lembro das praias e do mar cinzento, muito pouco atraente. Lembro-me do fluxo dos carros, das avenidas comuns, dos trabalhadores cansados que voltam do expediente às seis da tarde. Lembro-me das prostitutas feias que tentavam a vida na Jerônimo de Albuquerque, das floriculturas tristes que vendiam flores de plástico, dos bares sórdidos cuja música ambiente era um reggae terrível, das estudantes que iam para a escola em ônibus lotados e eram encoxadas por homens mais velhos, lembro dos assaltantes que causavam terror às quitandas e farmácias dos subúrbios, lembro dos funcionários da Vale esperando o ônibus da empresa nas esquinas da cidade, lembro dos bêbados dormindo nas calçadas sujas. Lembro das madames não-me-toque passeando no São Luís Shopping, ansiosas por comprar a camisa pólo Lacoste para presentear o jovenzinho bem dotado que lhes come no motel Le Baron às quintas-feiras 14:00, “Não vá perder a hora, eu tenho meus compromissos depois, Caio” (o maridão está no trabalho, o que não elimina a possibilidade de que também ele tenha amantes); lembro-me que, enquanto isso, do outro lado da avenida, e não mais do que do outro lado da avenida, uma pai de família que mora nas palafitas do Jaracaty precisa comprar um punhado de arroz que seja! para que as crianças não fiquem com fome durante a noite. Lembro-me dos prédios da área nobre da ilha, ó convite para o suicídio e para a fama que um suicídio traz: “Lembram daquele jovem que se matou em 2009? Foi desse prédio que ele se atirou...”. Havia também os bairros de classe média, minimamente “arrumadinhos”, por onde corria um ar de domesticidade e boa-vizinhança meticulosamente encenadas. Lembro das bem sucedidas bocas-de-fumo das periferias, dos viadutos improváveis, dos prédios abandonados na Praia Grande, dos restaurantes chiques que cobram 52 reais pelo quilo da comida, dos cheira-cola nos retornos cometendo pequenos furtos, da faraônica Assembléia Legislativa situada no meio do mato, do McDonalds interditado certa vez por causa da cobra que picou uma criança no parquinho, das choperias e lupanares da Forquilha, das bancas de DVDs pirata a dois reais, da infecta feira do João Paulo, o maior mercado a céu aberto do Hemisfério Sul. Em becos sórdidos, aconteciam estupros, usava-se crack, comentava-se o jogo do Flamengo e esperava-se a viatura que recolhia o “por fora”. Uma mulher é atropelada na avenida Castelo Branco às 16:29, enquanto, do outro lado da cidade, nesse exato instante, um jovem compra dois pães massa fina para o lanche da tarde. Lembro também que todos os habitantes de São Luís tinham a aparência cafona e desagradável de funcionários públicos mal remunerados; talvez todos sejam funcionários públicos... Lembro também do mau-cheiro que os túneis exalavam, das quartas-feiras chuvosas em que eu e meu pai ainda íamos ao jogo de futebol e do céu quente das tardes de dezembro, das mortes causadas pelos rachas nas madrugadas da Av. São Luís Rei de França. Nunca mais haverá outra cidade como São Luís, em toda sua obviedade e despropósito. Esta não é uma cidade inocente. Por favor, alguém jogue uma bomba em todos nós. Havia o Rosana Drinks, o Zero Um, o Clímax, o Playboss. Havia também a dificuldade para conseguir uma namorada, os semáforos, a tristeza, os táxis, o medo, as poucas livrarias, o vazio.

Eu sinto esta cidade. Eu sinto muito.

2 comentários:

  1. Grande Luciano,
    Hei de concordar com Vossa Graça! Um texto que demonstra de forma quase que caricatural, uma mescla de dissabores entre o caos social e os traços de futilidade presentes na composição da nossa tão peculiar sociedade ludovicense.
    Abraços.
    Thiago

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  2. Estilo corrosivo...Muito bom!!
    Melhor ainda, deu pra visualizar todas essas coisas que eu nunca noto!!

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