quarta-feira, 26 de maio de 2010

O acordeonista está vazio

alguém o observa, num frame de cotidianidade. outros (a maioria esmagadora) não. é no típico ambiente urbano em preto e branco que a fatídica e talvez imortal cena se dá, ou se manifesta - phaenomenon provável, consciente. é uma esquina da cidade mais fotogênica do mundo, Paris. ser fotogênico não significa ser belo, significa ser imageticamente fatal. (São Luís é fotogênica, nesse sentido. o acordeonista mereceria estar na João Lisboa). a mulher cujo braço esquerdo não foi captado pelo fotógrafo provavelmente segura uma sacola com cenouras, batatas e croissants frios, de ontem. outros constituintes: a bengala inútil, a placa de sinalização do incipiente trânsito moderno, a aglomeração de homens ao redor da banquinha de jogo do bicho, o frio, a presumível pobreza, de dentro e de fora. o homem que o observa, e empunha uma prancheta, com sua expressão intrigada, talvez de homem que sofre do fígado, não esconde a verdade: é um desenhista, que traça linhas infinitas e nunca conclui o desenho, de propósito. o mais curioso na fotografia é que o mundo (tudo que não é esta fotografia, tudo que está ao redor dela) continua a fluir, impreterivelmente. há uma letra B no canto da imagem, reparem. não sei que frase ou nome de estabelecimento comercial ela iniciaria. isso me dói, não saber de nada.

2 comentários:

  1. Nossa..que melancólico..
    isso me dói, não saber de nada...
    Abç, Neilon

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  2. "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara." Estranho como nunca reparei naquela imagem, como nunca reparei na intensidade que pode passar! Em como ela se eternizou...

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